sábado, 2 de junho de 2012

Apegos

Apegos – por Sr Zé Pilintra

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Uma pessoa radical é aquela que não abre mão dos seus pontos de vista, que é intransigente no seu modo de ver e tratar um assunto. No popular, a gente podia dizer que é “um mala”, pois às vezes fica pesado ficar perto de alguém assim...
Todos nós, de algum jeito, temos lá nossos “radicalismos”, hehe... Uns são bem inocentes, não atrapalham ninguém. Vamos pegar uns exemplos.
Às vezes se diz: “Só tomo café de máquina”; “Só tomo café na xícara”; “Só como de garfo e faca”. Isso não chega a ser intransigência, mas um gosto da pessoa, uma coisa na qual ela se apega porque lhe faz bem, dá satisfação. Mas que ela perde a oportunidade de experimentar coisas novas, lá isso é verdade... Ainda fica uma questão: e se o amigo que lhe convidou pra comer não tem isso pra lhe oferecer, porque os costumes dele são mais simples?...
E isso também me traz pra lembrança um tempo meu de encarnado... Hehe, tempo bão!... Foi quando vivi aos cuidados da minha querida Vovó “Zurmira”― que assim ela se apresentava. Mulher de poucas letras, mas de um enorme coração... Quituteira de mão cheia, punha Luz e Amor em tudo o que tocava... Nos seus modos simples, quando sozinha, ela gostava de comer com as mãos, fazia lindos bocados... Mãos muito limpas, sempre lavadas com cuidado, e ainda banhadas de pureza pelos atendimentos de caridade que fazia... Eu era moleque e gostava de espiá-la nesses gestos simples e naturais. Eu pensava que ela é que tava certa, pois abria as mãos de trabalhadora pra receber e saborear os frutos da Mãe-Terra― era isso que eu sentia... Ela “se escondia”, pra evitar que alguém de fora se melindrasse, não gostava de ofender a ninguém... Quando tinha mais gente na mesa, então ela sabia usar garfo e faca, toda jeitosa e delicada. Tudo nela era delicado... O que mais vale na vida é o que a pessoa tem por dentro... E Vovó Zulmira demonstrava em qualquer situação aquela delicadeza, não dependia de mais nada pra ser assim... Enfim, cada um vive do seu jeito. Vamos continuar nossa prosa...
Outros tipos de radicalismo já vão dar complicação, mostrando que a pessoa perdeu a medida, que não está considerando outras opções e nem respeitando a opinião alheia.
Vamos pensar nuns exemplos: “Não suporto mulher de saia curta...”― essa frase tá sugerindo que tem “coisa errada” nela. Mas eu lhe pergunto: e o que você tem com isso? Se a Dona tá passeando feliz, lá com a sua sainha? A maldade tá no olho de quem vê... Se não lhe agrada, não use! Outro caso é quando se diz: “Não gosto de gente calada...” ―olha a ruindade aí, outra vez! Não podemos nos apressar em julgar a pessoa por causa de um comportamento dela ou duma aparência! O motivo dessa conversa não é apontar o dedo pra ninguém, e sim, a gente analisar os próprios comportamentos, observando as coisas que a Vida traz pra gente.
O motivo é a gente se lembrar― quando uma coisa assim (dos exemplos) acontece na nossa frente―, de que também fazemos isso, até sem perceber. A gente se apega num ponto de vista, numa idéia, e às vezes não aceita nada diferente daquilo e fica intransigente...
Intransigência é apego, é limitação. Não faz bem pra gente. O bom é procurar se
renovar sempre: considerar outros pontos de vista, outros jeitos de se fazer as coisas e etecétera e tal. Quando a gente se apega, agarra aquilo com as mãos. Daí, com as mãos cheias, fica mais difícil de poder receber outras coisas da Vida. Esse é o caso a considerar. A velha história: esvazie seus armários das coisas apinhadas, que você acaba nem usando tudo, pra poder receber coisas novas...
No coração e na cabeça da gente acontece a mesma coisa: precisa de ar novo, precisa de se abrir espaço para o novo entrar, pra que haja renovação das energias e da qualidade da vida que se leva.
Enfim, tem muita coisinha que a gente vai fazendo, e fazendo, sem se dar conta de que a soma daquilo tudo gera algumas atrapalhações no caminho...
A gente, sem perceber, vai acumulando coisas sem importância... E aquilo, muitas vezes, impede a entrada de coisas importantes que a gente tanto queria alcançar. A raiz dos tais “grandes problemas” quase sempre está em pequenas atitudes que a gente vai tomando na vida, sem se dar conta, sem parar pra pensar. Enfim, que um dia a gente aprende...
Outros radicalismos já mostram uma boa dose de orgulho e vaidade. Nos grupos a gente percebe melhor isso.
Imagine um Templo, onde há muitas tarefas a cumprir, mas alguém do grupo nunca tá disposto a fazer outro serviço que não seja a primeira tarefa que lhe deram ao entrar na casa. A pessoa se apega naquilo, não ensina os companheiros que acabaram de entrar no grupo, se apossa da tarefa e não se dispõe a mais nada. Principalmente no caso de ser convidada a fazer serviços de bastidores, aqueles que são importantes, mas que não colocam a pessoa em destaque durante os trabalhos (limpeza, arrumação e muitos outros)... Quem age assim perde a oportunidade de aprender outras coisas e cria insatisfação em torno de si, ao retirar oportunidades dos outros também. Pode não perceber, mas tá no orgulho e na vaidade... Não tá agindo com o senso de colaboração, não distribui, só recebe o que quer, e também não doa de si o que poderia. Isso acontece em todos os grupos (família, trabalho, estudo e etecétera).
Por que eu tô falando disso? Porque isso gera entraves na vida da pessoa!...
O mais interessante é o que eu chamo de radicalismo “chique”, hehe... É uma forma de intransigência velada, quando a pessoa impõe seu gosto e pensamento de forma indireta, querendo fazer disso o padrão que todos “devem” seguir. É uma forma de controle. De “chique”, não tem nada... Essa pessoa nunca levanta a voz, se controla ao máximo, não perde a pose, mas outras atitudes revelam sua real intenção: ela solta uma piadinha, ou faz caras e bocas, ou revira os olhos, ou dá uma risadinha de canto da boca, isso quando o outro tá falando ou mostrando uma coisa que ganhou ou um trabalho que fez, e todo feliz, querendo compartilhar sua felicidade. Vamos dizer que alguém chega pros companheiros e, todo feliz, mostra uma roupa nova. O radical “chique” dá parabéns, elogia, mas pelas costas do companheiro revira os olhos, numa crítica maldosa e covarde, querendo dizer que aquilo é de mau gosto... Não foi um ataque aberto e direto, o companheiro nem percebeu, mas aquilo foi visto pelo restante do grupo. Uma censura sem propósito e que nada traz de bom pra ninguém. Uma atitude infeliz... Sou bem sincero, não gosto disso. Prefiro os maldosos declarados, que chegam na cara da gente e despejam sua crítica pesada e, no geral, sem fundamento. Pelo menos, mostram quem são!...
Já o radical “chique” é perigoso: dissimulado, liso, vive se escondendo, escorregando, querendo ter vantagem em tudo, ficar “por cima”, sem nunca se expor ou dizer quem é...
Mas não tenho raiva, não! Quem age desse jeito tá doente, e já perdeu a noção de si mesmo, de tanto se disfarçar... Enfim, que todos nós precisamos de ajuda e de um trabalho constante de autoconhecimento, pra ir melhorando aos poucos.
E o fim dessa prosa é esse mesmo: que a gente pense e repense, analisando as coisas que fez naquele dia, fazendo um balanço de tudo, pra se melhorar e melhorar na vida. Um balanço no final de cada dia, revendo o que aconteceu, as nossas emoções diante das coisas, os sentimentos, as reações, as decisões e indecisões... Não pra se condenar pelo que não fez tão bem, mas pra avaliar o avanço que tem feito, e as coisas que pedem uma revisão, onde tá carecendo de um apoio, procurando ajuda e etecétera. Afinal, a nossa vida é a empresa mais importante que pode haver. Quem lucra e quem às vezes perde, num momento, é a gente mesmo, de tudo aquilo que faz e deixa de fazer.
Com esse balanço a cada dia, as coisas não se acumulam. Os armários e as gavetas da nossa cabeça vão estar sempre arejados e com espaço pra coisas novas. A gente vai ficando mais capaz de ter pensamentos e idéias bem claras. Os problemas não ficam tão pesados, porque a gente vai olhar pra eles um dia de cada vez, fazendo o que pode pra melhorar, dia após dia. Isso dá um alívio na gente, e as coisas ficam mais leves, não tem lugar pra “dramas”...
Eu lhe desejo muita paz e sucesso nos seus balanços de final do dia!
Muita coragem pra continuar, muita determinação, muito carinho por si mesmo, muitas boas colheitas, muitos projetos pra realizar.
Porque sei de uma coisa, meu amigo, minha amiga: se você teve paciência com essa minha conversa, respeitando os meus limites de comunicação, é porque você é uma pessoa “chique” de verdade: com muita elegância na alma, com um coração aberto pra ouvir os outros, com disposição de observar o que acontece à sua volta, pra tirar suas próprias conclusões e acolher no coração e na mente o que lhe possa trazer algo de bom. Muito obrigado!
Enfim, tudo ensina, pois de tudo se tira mais uma experiência. E assim a Vida nos leva pra caminhos melhores...
Então, que OLORUM nos ilumine, pra que a gente se livre de ser uma pessoa apegada demais e radical; mas sem nunca perder o respeito, de irmão pra irmão, por aqueles que ainda estejam noutra fase de aprendizado... Que assim seja!
Fique na Paz.

(Zé Pelintra, 16/3/2012)

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